quinta-feira, 7 de maio de 2009

Endless Road

Não, não era um dia de sol. Não estávamos na Primavera. Cruzámo-nos como tantos outros se cruzam. Cruzámo-nos como nos cruzamos com tantos outros. Ou talvez não…

Vejo-te ao longe. Porque observo sempre de longe. A serenidade, a impassibilidade, a languidez dos movimentos. Transportas contigo aquela aura que gostava que me envolvesse também. E esse sentimento de totalidade, de realização plena e absoluta, de plenitude. Nessa mais cândida simplicidade e pureza de um sorriso verdadeiro. Ou que tu tornas verdadeiro. A leveza dos gestos. A doce contracção muscular. A candura de uma voz que nos percorre. O respirar. O inspirar. O expirar. Já uma vez o tinha dito.

Ao longe, tudo é tão próximo.

Mas a proximidade traz consigo o medo, o receio, aquele incontornável aperto de um grito sufocado no mais íntimo do ser. A incapacidade verbal que constitui essa barreira da linguagem. Alguma frieza também. A dor de procurar e não encontrar senão o habitual olhar do transeunte que passa. O cumprimento rotineiro de um “está bem que se calhar até nem está”… Só mais um. Apenas e só mais um, por entre tantos que vão e vêm. Todos os dias. Alguns voltam, outros ficam por lá. E quem quiser ficar por cá?

Sei que não é mera frieza ou indiferença. Acredita que sei. Afinal, como sabemos quem mantém vivo o reflexo daquele mesmo rio? Ou quem continuou a viver com a mesma intensidade a fugacidade daquele momento? Como sabemos quem vê nos mesmos olhos o calor daquele gesto que nos envolve? Quem ainda se aquece sob o mesmo sol de Outono?

Ao longe, tudo é tão próximo, mas o próximo também nos pode levar longe. Ou para longe.

Eras assim. O início de uma estrada sem fim.

Vem. Como sempre foste, como és. Vamos percorrê-la, percorrer o infinito de uma estrada sem fim. Levamos aqueles pedais e vamos.

Vamos até ao fim.

sábado, 2 de maio de 2009

Amália Hoje

Porque “Amália em 2009 tem mais cor do que nunca”

No princípio, era o Fado. Os xailes negros, os vestidos pretos e as guitarras portuguesas. Mas Hoje… Hoje, Amália é pop.

No ano em que se completa uma década da morte da diva do Fado, o músico Nuno Gonçalves dos The Gift foi convidado para tomar as rédeas do projecto Amália Hoje, com o objectivo de revisitar os fados interpretados por Amália Rodrigues, à luz da sonoridade pop.

Nas palavras de Nuno Gonçalves, “Hoje é um grito. Hoje é um dizer basta”, porque afinal “Amália é muito mais que fado. Amália é pop e este disco será a prova que Fado é redutor para a voz que brindou o mundo e ainda mais redutor para os compositores que imaginaram as melhores canções pop de sempre da história da música portuguesa.”

Desde a intensidade de “Fado Português”, a melancolia e dramatismo de “Grito”, a comunhão de emoções, força e serenidade de “Gaivota”, a revolução electrónica de “Nome de Rua”, a vida e ritmo contagiantes de “Formiga Bossa Nova” ou a intensidade de “Medo”. Um “Medo” que, na magnífica voz ímpar de Sónia Tavares, consegue chegar à essência do ser e quase nos esmaga e dilacera no mais íntimo de nós, com a sinceridade e espontaneidade dessa força que nos lança na demanda de uma tal “ponte do fim” que existe em todos nós. E que espera por nós. Ou pela qual todos esperamos.

“Abandono” faz-nos voltar novamente à realidade, agora com uma vontade imensa de gritar por toda a esperança que ainda resta na fugacidade de um momento, num objectivo, numa força de viver e de sonhar. Depois ainda de uma passagem pela magia evocada por um belo e harmonioso acordeão francês - aqui muito português - em “L’Important C’est la Rose”, o disco culmina num final épico, com “Foi Deus”, que, acompanhando o pulsar de um coração, vai crescendo e crescendo dentro de nós, à medida que nos transporta para um momento absolutamente apoteótico que, por alguns segundos, parece suster em si toda a matéria, numa apologia ao que no mundo há de mais belo, mais intenso, mais sincero e mais coeso. Sim, só pode ter sido Deus…

Este é, sem dúvida, mais um excelente trabalho do grande músico e compositor dos The Gift, Nuno Gonçalves, que primou também por uma interessante e original escolha de vozes, que se revela em tudo acertada: desde a soberba voz de Sónia Tavares (vocalista dos The Gift), à versatilidade pop e talento de Paulo Praça (ex-Turbo Junkie e Plaza) e à intensidade de Fernando Ribeiro (vocalista dos Moonspell). Três vozes que, na sua pluralidade, entoam este hino a uma só voz, apresentando-se unas, coesas e em absoluta harmonia entre si. Três vozes que, aliadas aos magníficos arranjos e composições musicais de Nuno Gonçalves, à luz de uma sonoridade pop, nos fazem gritar, também nós a uma só voz, “ai que lindeza tamanha…”

Porque Hoje é história. Hoje somos todos nós. Muito obrigada por nos fazerem acreditar.

Com a minha maior admiração, respeito e total apoio, peço aos autores a minha licença para aqui deixar o videoclip de “Gaivota”, o primeiro single deste disco épico. Hoje, com as minhas mais sinceras felicitações por este trabalho de excelente qualidade:

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Desistir

Dizer chega. Basta. É o fim. É demais. Desisto.

Desistir quando tudo me ultrapassa. Desistir quando já não me sinto à altura. Desistir quando não encontro um sentido. Desistir quando tudo é demais e tão longe e tão longo e tão tarde e tão difícil e tão vão e tão estéril e tão incompreensivelmente desgastante. Desistir quando mesmo tudo não chega. Desistir quando é tarde demais. Desistir por já ter dado tudo. Desistir por ter chegado ao fim sem ter sequer começado. Desistir quando já não vale a pena. Desistir quando já não estás aqui. Alguma vez estiveste?

Desistir quando o caminho nos surpreende e o fardo supera o tolerável.

Desistir absolutamente e em absoluto de tudo. E de nada. E não ficar nada. E não querer mais nada. Apenas o vazio. E o infinito. E o silêncio. O vazio… Em absoluto.
Desistir quando sinto a tua falta. Desistir quando te quero aqui. E pedir-te que voltes. E mesmo que não te veja, pelo menos sentir-te e saber-te…

…Aqui. Agora. Sempre. Até ao fim. Ou só por um momento. Volta ou deixa-me entrar.

Desistir. Desisto.